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A mídia e os traumas da sociedade

Em geral, as mídias – rádio, TV, jornal, revistas e mídia eletrônica – são veículos de divulgação em larga escala dos problemas que a sociedade esconde “embaixo do tapete” e que afligem os indivíduos de forma generalizada.

 

Funcionam como fomento encorajando vítimas que, até então, se escondiam por medo, vergonha ou falta de conhecimento sobre seus direitos.  Ajuda as pessoas a resolverem suas problemáticas por identificação com o outro a partir da divulgação em massa de temas como abuso moral, abuso sexual, violência doméstica e traumas entre outros.

 

Aproveito um caso que aconteceu, recentemente, viralizando nas mídias sociais e programas de diversas emissoras brasileiras. As cenas em que a personagem Laura (Bella Piero), da novela “O outro lado do paraíso”, narra de forma emocionada os abusos sexuais que sofreu na infância, provocaram um grande debate nas redes sociais a respeito do tema.

 

Mais que isso. Ao tocar na ferida e falar a respeito desse tema, a novela provocou comoção nacional e incentivou uma onda de denúncias no Rio de Janeiro, como relatou em entrevista a titular da Delegacia de Criança e Adolescente Vítima (DCAV), Juliana Emerique.

 

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que, em geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos das vítimas – indicando que a violência, como o caso retratado na novela, acontece dentro de casa. A mesma pesquisa do Instituto mostrou que 24.1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos.

 

Um produto tipo exportação nacional, as telenovelas brasileiras são responsáveis por expor – e estimular o debate – sobre temas considerados delicados (ou tabus) pela nossa sociedade. Violência doméstica e sexual, pedofilia, homossexualidade, questão de gênero, racismo e desigualdade social são apenas alguns assuntos que acabam sempre surgindo nos folhetins nacionais.

 

Essa maior exposição da realidade veio a partir de 1970, quando a dramaturgia brasileira deu uma guinada e passou a se aproximar de seus espectadores. Se, naquela época, isso tinha uma estreita relação com os acordos para veiculação de publicidade, hoje nota-se que as novelas se tornaram um dos principais canais de comunicação com o grande público, estimulando uma conversa a respeito de assuntos sobre os quais sempre houve uma grande dificuldade em conversar.

 

Ao entrar em contato com esses temas, se informarem a respeito e tomarem consciência de sua gravidade, as pessoas frequentemente estão lidando com suas próprias feridas e expurgando seus traumas pessoais e familiares.

 

Quando um tema é tratado em horário nobre repercute em outras mídias

 

Programas “da tarde”, femininos e talk shows pegam carona nos temas debatidos abertamente no horário nobre da líder de audiência e, com isso, acabam sendo levados para dentro das casas do Brasil inteiro, em diversos horários atingindo uma enorme gama de público.

 

Estimular o debate nacional entre o grande público, portanto, é uma forma de estimular também a ação do indivíduo frente à violência e às situações de crime que encontra em seu cotidiano. Durante a exibição de “Salve Jorge”, entre 2012 e 2013, por exemplo, notou-se um aumento nas denúncias de casos de tráfico de pessoas. A mocinha da trama, vivida pela atriz Nanda Costa, era justamente enganada e forçada a se prostituir na Turquia. Dados da época fornecidos pela Central de Atendimento à Mulher (180), do governo federal, estimaram que a novela de Glória Perez impulsionou um aumento de 1.547% nas ligações.

 

O uso da dramaturgia para expor e tratar feridas sociais não é novo – trata-se de uma prática da Antiguidade. Mesmo secular, no entanto, sua importância continua forte nos diais atuais, principalmente em assuntos que envolvem o bem-estar físico e mental de todos nós.

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